Guia Prático Definitivo: Como Escolher e Adaptar o Esporte Ideal para Crianças e Jovens no Espectro Autista - Parte 1
- Fabio Stramar
- 9 de jul.
- 6 min de leitura

Sabe aquele aperto no peito misturado com uma esperança imensa? Aquele desejo de ver seu filho, sua filha, ou o jovem que você tanto ama, explorando o mundo, se divertindo, crescendo feliz e incluído? Se você tem uma criança ou jovem no espectro autista, talvez já tenha se perguntado como o esporte pode fazer parte dessa jornada. Talvez você imagine a alegria de uma corrida no parque, a concentração em um movimento novo, o sorriso de fazer parte de algo... mas as dúvidas aparecem: Qual esporte? Como começar? Ele vai gostar? Vai se adaptar? O coração de mãe, pai, cuidador, fica cheio de "e se...?". Calma. Respire fundo. Você não está sozinho nessa busca, e a boa notícia é que o esporte pode, sim, ser um caminho maravilhoso de descobertas e conquistas para eles. E eu estou aqui para conversar com você, de forma simples e prática, sobre como podemos trilhar esse caminho juntos.
Para criar esse material, do quanto a prática esportiva é importante para o autista, fui instigado por dois grandes motivos. Um deles é de que tenho a prática esportiva como um divisor de águas em minha vida. O segundo motivo foi pela oportunidade de coordenar a Arena Esportiva de Inclusão Boxer aqui em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
É um projeto que faz inclusão através de práticas esportivas. E é nesse ambiente que venho vivenciando mudanças incríveis através da prática esportiva.
Introdução:
O esporte é muito mais do que apenas mexer o corpo. É sobre aprender, sentir, conectar e superar limites, cada um no seu tempo e do seu jeito. Para crianças e jovens no espectro autista (TEA), a atividade física pode ser uma ferramenta poderosa, quase mágica, para ajudar em muitas áreas da vida. Mas, como tudo que envolve o universo do autismo, não existe receita de bolo. O que funciona para um, pode não funcionar para outro. E é aí que entra a beleza de conhecer e respeitar a individualidade de cada um.
Neste nosso bate-papo, vamos explorar juntos neste guia prático, Como escolher e adaptar o esporte ideal para crianças e jovens no espectro autista, esqueça os termos complicados e as fórmulas prontas. Vamos conversar de um jeito fácil, como se estivéssemos tomando um café, trocando ideias e encontrando as melhores soluções para o seu pequeno ou grande campeão. Queremos que o esporte seja fonte de alegria, confiança e desenvolvimento, e não mais uma fonte de estresse, combinado?
Por Que o Esporte é Tão Especial para Crianças e Jovens no Espectro Autista?
Antes de pensarmos no "como", vamos entender o "porquê". Por que insistir, procurar, adaptar? Porque os benefícios são incríveis e podem fazer uma diferença enorme no dia a dia. Não sou só eu quem diz isso, muitos estudos mostram como a atividade física bem direcionada é positiva.
Mexendo o Corpo, Acalmando a Mente
Muitas crianças e jovens no espectro têm desafios com a coordenação motora, o equilíbrio ou em como "sentir" o próprio corpo no espaço. O esporte ajuda justamente nisso!
Coordenação e Equilíbrio: Correr, pular, nadar, chutar uma bola... tudo isso trabalha os músculos, ensina o corpo a se mover de forma mais organizada e segura.
Processamento Sensorial: Sabe quando a criança busca muito movimento, ou parece muito sensível a luzes e sons? O esporte pode ajudar a regular essas sensações. A pressão da água na natação, o balanço em alguns aparelhos, o esforço de uma corrida, tudo isso pode ajudar o sistema nervoso a se organizar e a criança a se sentir mais calma e centrada. Como diz a Dra. Temple Grandin, uma famosa autista e defensora da causa, muitas vezes a pressão profunda tem um efeito calmante. Atividades que proporcionam isso podem ser muito benéficas.
Menos Ansiedade e Estereotipias: Gastar energia de forma positiva e direcionada pode diminuir a ansiedade e aqueles movimentos repetitivos (estereotipias) que muitas vezes aparecem quando a criança está estressada ou entediada.
Aprendendo a Conviver e Fazer Amigos
A interação social pode ser um desafio no TEA. O esporte, principalmente quando adaptado, oferece um ambiente mais estruturado para aprender a interagir.
Regras e Turnos: Muitos esportes têm regras claras, como esperar a vez, passar a bola, seguir uma sequência. Isso ajuda a entender as dinâmicas sociais de uma forma mais concreta.
Objetivo Comum: Mesmo em esportes individuais praticados em grupo (como natação ou artes marciais), existe um objetivo compartilhado, um ambiente comum, que facilita a aproximação, mesmo que não verbal no início.
Comunicação: Pode ser um espaço para aprender a pedir ajuda, a comemorar junto, a lidar com a frustração de perder (sempre com apoio!).
Confiança que Cresce a Cada Jogada: Cada pequena conquista no esporte é uma vitória gigante para a autoestima.
Superando Desafios: Aprender a nadar, acertar uma cesta, conseguir se equilibrar na bicicleta... cada novo passo mostra para a criança ou jovem que ele é capaz!
Sentimento de Pertencer: Fazer parte de um grupo, usar um uniforme (se for o caso e se for confortável), ter um lugar para ir e praticar algo, tudo isso gera um sentimento de pertencimento importante.
Foco nas Habilidades: O esporte valoriza o que a pessoa consegue fazer, suas forças, e não apenas suas dificuldades.
Rotina e Previsibilidade: Um Porto Seguro
Muitas pessoas no espectro autista se sentem mais seguras com rotinas e sabendo o que esperar. O esporte pode oferecer isso.
Estrutura: Aulas no mesmo dia e horário, com a mesma sequência de aquecimento, prática e finalização, criam uma rotina previsível e confortável.
Ambiente Familiar: Ir sempre ao mesmo local, encontrar as mesmas pessoas (instrutor, colegas), ajuda a diminuir a ansiedade do novo.
Um artigo publicado no Journal of Autism and Developmental Disorders destacou que "programas de atividade física estruturada podem melhorar significativamente as habilidades motoras e sociais em crianças com TEA, além de reduzir comportamentos restritivos e repetitivos". Isso reforça como um ambiente esportivo bem pensado faz a diferença!
Agora vamos ao momento esperado, qual esporte escolher?
Ok, agora que vimos como o esporte pode ser bom, vamos à parte prática! Como escolher a atividade certa e, mais importante, como fazer dar certo? Não tem segredo, mas tem alguns passos que ajudam muito. Pense nisso como montar um quebra-cabeça, onde cada peça é importante.
Passo 1: Ouvir o Coração (e observar!) - Os Interesses da Criança/Jovem.
Essa é a peça mais importante! De que adianta forçar um esporte se a criança não tem o mínimo interesse?
Observe:
- O que ela gosta de fazer no tempo livre? Gosta de correr? Pular? Ficar na água? Jogar bola? Assistir a algum esporte na TV?
- Quais são seus hiperfocos? Às vezes, um interesse intenso (por água, por dinossauros, por trens) pode ser uma porta de entrada. Natação para quem ama água, uma corrida no parque imaginando ser um velociraptor... Use a criatividade!
- Pergunte (se a comunicação verbal for possível)! Mostre vídeos de diferentes esportes, converse sobre eles de forma simples. A resposta pode te surpreender.
Não se prenda a estereótipos: Menino não precisa jogar só futebol, menina não precisa só dançar. O importante é o que faz os olhos brilharem!
Passo 2: Olhar com Carinho para as Habilidades Atuais
Não adianta querer começar com um esporte super complexo se a criança ainda está desenvolvendo habilidades motoras básicas.
- Como está a coordenação motora geral? Corre com facilidade? Sobe escadas alternando os pés?
- E a coordenação motora fina? Consegue segurar objetos, amarrar sapatos (se for mais velho)? Isso pode influenciar na escolha (esportes com raquetes, por exemplo).
- Tem bom equilíbrio?
- Consegue seguir instruções simples? De um ou dois passos?
- Comece simples! É melhor escolher algo que ela já tenha alguma facilidade inicial para gerar sucesso e motivação, do que algo muito difícil que cause frustração logo de cara. A dificuldade pode aumentar aos poucos.
Passo 3: Entender o Mundo Sensorial (O Pulo do Gato!)
Aqui está um ponto crucial para o sucesso no espectro autista. Como a criança ou jovem processa os estímulos do ambiente? Luzes, sons, toques, cheiros, movimento... tudo isso influencia a experiência no esporte.
Hipersensibilidade (Sensibilidade Aumentada):
Auditiva: Ginásios barulhentos, apitos altos, música alta podem ser insuportáveis. Esportes em ambientes mais silenciosos (natação, artes marciais em turmas pequenas, atletismo ao ar livre) ou o uso de abafadores de ruído podem ajudar.
Visual: Luzes fluorescentes fortes, muito movimento visual (ginásios cheios) pode sobrecarregar. Ambientes com luz natural, menos pessoas, ou o uso de um boné podem ajudar.
Tátil: Uniformes com etiquetas, tecidos ásperos, o toque inesperado de colegas ou do instrutor podem ser aversivos. Roupas confortáveis (sem etiquetas!), avisar antes de tocar, esportes com menos contato físico inicial podem ser melhores.
Hipersensibilidade (Busca por Estímulo):
A criança parece precisar de mais movimento, de sentir o corpo com mais intensidade? Esportes que envolvem impacto (corrida, saltos no pula-pula - se supervisionado), pressão (natação, lutas com pegada firme), balanço (ginástica em alguns aparelhos) podem ser ótimos para ela se sentir mais "no lugar".
Questões Motoras e de Planejamento:
Dificuldade em planejar uma sequência de movimentos? Esportes com rotinas mais claras e repetitivas (natação, artes marciais com katas/sequências) podem ser mais fáceis de aprender inicialmente do que esportes muito imprevisíveis (futebol, basquete).
Observação: Uma avaliação com um Terapeuta Ocupacional especializado em integração sensorial pode dar informações valiosíssimas sobre o perfil sensorial do seu filho e ajudar muito na escolha e adaptação do esporte!
Vamos parar por aqui.
Aqui encerro a primeira parte desse material que foi criado com muito carinho, pesquisa e vivências.
Na segunda parte vamos continuar com os passos essenciais, os esportes mais indicados para os autistas e indicações de leitura.
Não deixe de acompanhar.







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